Páginas

segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Sucessos de 1919: O Despertar da Montanha

"Você acaba de fazer o seu "Danúbio Azul", disse o professor Guilherme Fontainha a Eduardo Souto, quando este lhe mostrou, ao piano, "O Despertar da Montanha". Peça essencial do repertório pianístico brasileiro, típica dos saraus do início do século, "O Despertar da Montanha" é a obra mais conhecida de Souto. Lançada em 1919, com sucesso imediato, tem na capa da edição inicial curioso desenho, que mostra uma cena pastoril de natureza européia: ao pé de suntuosa montanha, um pastor descansa tocando flauta, enquanto seu cão vigia um rebanho de quinze ovelhas...

Mas, se a cena é européia, a composição é bem brasileira, tendo ajudado até a fixar uma forma de tango, que Eduardo Souto chama de tango de salão, diferente dos tangos de Nazareth, mais próximos do choro. "O Despertar da Montanha" tem uma letra de Francisco Pimentel, que nada lhe acrescenta.

O Despertar da Montanha (tango de salão, 1919) - Eduardo Souto e Francisco Pimentel

Interpretação de Francisco Mignone e Conjunto Orquestral em 1943:

Disco 78 rpm / Título da música: Despertar da Montanha / Eduardo Souto (Compositor) / Conjunto Orquestral (Intérprete) / Francisco Mignoni [Região] (Intérprete) / Gravadora: Columbia / Nº do Álbum: 75001-b / Nº da Matriz: #594-1 / Gravação: 5/janeiro/1943 / Lançamento: 1943 / Gênero musical: Tango / Coleção de fontes: Nirez, IMS D



Interpretação de Sílvio Caldas em 1946:

Disco 78 rpm / Título da música: Despertar da Montanha / Eduardo Souto (Compositor) / Francisco Pimentel (Compositor) / Sílvio Caldas (Intérprete) / Orquestra Continental (Acomp.) / Gravadora: Continental / Nº do Álbum: 28000-b / Nº da Matriz: #1567-1 / Gravação: 5/agosto/1946 / Lançamento: 1946 / Gênero musical: Canção de tango / Coleção de fontes: Nirez



Interpretação de Roberto Fioravante em 1963:

LP Seresteiro Da Saudade Nº 5 / Título da música: O Despertar da Montanha / Eduardo Souto (Compositor) / Francisco Pimentel (Compositor) / Roberto Fioravante (Intérprete) / Gravadora: Chantecler / Nº do Álbum: CMG 2218 / Ano: 1963 / Gênero musical: Canção / Seresta



Quando a noite entra na agonia, / Surgem os primeiros raios, / Na moldura do horizonte, / Iniciam seus ensaios, / Doira-se um monte... / E os lindos ramos mais felizes, / Os que ao longe estão mais altos, / Pintam-se em matizes, / No cimo do planalto... / Sai da sombra um novo dia.

E a luz da madrugada, / Entrando suavemente na floresta, / Beija os ninhos, / E esta festa, / Desperta os passarinhos / E envolve troncos, / Vindo através das folhagens, / Em acordes selvagens, / Anunciam a alvorada.

Desses cantos, sob o sol da manhã, / Em linda festa pagã, / Escorre a vida, cheia de encantos, / E transborda, numa chuva de cores, / E entre os vales sonhadores, / A montanha acorda.


Fonte: A canção no tempo - 85 anos de músicas brasileiras (Vol. 1: 1901-1957) - Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Sucessos de 1917: Franqueza Rude

Mário Pinheiro - Jornal de Theatro & Sport (1918)

Franqueza rude (modinha, 1917) - Belchior da Silveira (Caramuru) e João B. Fittipaldi - Intérprete: Mário Pinheiro

Disco 76 rpm, 27", selo: Odeon / Título da música: Franqueza Rude / Caramuru (Compositor) / João B. Fitipaldi (Compositor) / Mário Pinheiro (Intérprete) / Piano e Violão (Acomp.) / Nº Álbum 121328 / Lançamento: 1917 / Gênero musical: Canção / Coleção de Origem: IMS, Nirez



O teu olhar, tem tanto fogo e tanto ardor,
Que é bem capaz, de seduzir e de prender,
Mais é o efeito de um capricho e não de amor,
Porque em teu peito, amor não pode mais haver.


Tem conseguido, acorrentar aos olhos teus,
Os desditosos, que se deixam iludir,
Pois há mim, não prenderás, juro por deus,
Que aos teus ardís, eu hei de sempre resistir.


Eu não me iludo não,
Com teu olhar ardente,
Porque teu coração,
Pertence há muita gente.

Acostumada a seduzir e a dominar,
Julgaste fácil, dominar a mim também,
Mas nunca ao teu querer eu hei de me curvar,
Porque sou muito altivo e como eu sou ninguém,
Tiveste um dia, a vã idéia em me fitar,
Com toda a força de teus olhos de serpente,
Eu não me deixo fascinar, por teus olhares,
Eu não me prendo nos teus olhos, na corrente.

Mesmo que teu amor,
Seja um amor sincero,
Mil vezes quero a dor,
Mas teu amor, não quero !

Não quero amor,
De quem amando, todo mundo,
Não sabe amar,
Como a um só se deve amar,
Embora o meu penar,
Seja um penar profundo,
Não hei de amar-te um segundo,
E nunca, nunca te beijar,
Transformarei meu coração num baluarte,
Pra resistir, aos teus assaltos, infernais,
Hei este orgulho dominar,
Hei de mostrar-te,
Que tu só és,
Mulher, mulher e nada mais !

Não estejas a fitar,
Assim quem não te quer,
Quem nunca ás de domar,
Quem nunca ás de vencer !...

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Sucessos de 1915: Apanhei-te Cavaquinho

Ernesto Nazareth

A polca "Apanhei-te Cavaquinho" é a segunda composição mais gravada de Ernesto Nazareth, perdendo apenas para "Odeon". De andamento rápido (o autor recomendava semínima = 100 para as polcas e semínima = 80 para os tangos) é muitas vezes executada em velocidade vertiginosa por músicos exibicionistas, que presumem assim mostrar habilidade virtuosística.

Composta em 1915 e gravada no mesmo ano pelo grupo O Passos no Choro, "Apanhei-Te Cavaquinho" foi dedicada a Mário Cavaquinho (Mário Álvares da Conceição), um exímio cavaquinista, amigo de Nazareth (segundo Ary Vasconcelos, ele inventou o cavaquinho de cinco cordas e a bandurra de 14 cordas).

Em 1930 o autor gravou esta composição em disco de grande valor documental, que passou a servir de referência para novas execuções. Já classificado como choro, ganhou letra de Darci de Oliveira, em 1943, para ser gravado por Ademilde Fonseca:

Disco 78 rpm / Título da música: Apanhei-te Cavaquinho / Ernesto Nazareth (Compositor) / Darci de Oliveira (Compositor) / Ademilde Fonseca (Intérprete) / Benedito Lacerda (Acomp.) / Benedito Lacerda e Seu Conjunto (Acomp.) / Gravadora: Columbia / Nº do Álbum: 55432-a / Nº da Matriz: 630-2-M / Gravação: 20/Abril/1943 / Lançamento: Maio/1943 / Gênero musical: Choro / Coleção de Origem: Nirez, Humberto Franceschi


Ainda me lembro, / Do meu tempo de criança, / Quando entrava numa dança, / Toda cheia de esperança, / De chinelinho e de trança, / Com Mané e o Zé da França, / Nunca tive na lembrança, / De rever esse chorinho.

E hoje ouvindo, / Neste choro a voz do pinho, / Relembrando o bom tempinho, / Da mamãe e do maninho, / Hoje sou ave sem ninho, / Sem família, sem carinho, / Mas sou bem feliz ouvindo, / O "Apanhei-te Cavaquinho"!

Hoje cantando o "Apanhei-te Cavaquinho", / Fico louca, fico quente, / Fico como um passarinho, / Sinto vontade de cantar a vida inteira, / Esta vida, eu levo de qualquer maneira, / Ouvindo a flauta, o cavaquinho e o violão, / Eu sinto que o meu coração, / Tem a cadência de um pandeiro, / Esqueço tudo e vou cantando com jeitinho, / Este chorinho, / Que é muito Brasileiro !

Hoje cantando o "Apanhei-te Cavaquinho", / Fico louca, fico quente, /Fico como um passarinho, / Sinto vontade de cantar a vida inteira, / Esta vida, eu levo de qualquer maneira, / Ouvindo a flauta, o cavaquinho e o violão, / Eu sinto que o meu coração, / Tem a cadência de um pandeiro, / Esqueço tudo e vou cantando com jeitinho, / Este chorinho, / Que é muito Brasileiro !...


Fonte: A Canção no Tempo - Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello - Editora 34.

Sucessos de 1904: Corta-Jaca


Conhecido desde 1895, quando foi lançado na opereta-burlesca "Zizinha Maxixe", o tango "Corta-Jaca", cujo título original é "Gaúcho", teve a popularidade redobrada nove anos depois, ao reaparecer na revista Cá e Lá. Comprovam o sucesso as oito gravações que recebeu entre 1904 e 1912 e sua apresentação, em 26.10.1914, numa recepção oficial no Palácio do Catete, então sede do Governo Federal. Na ocasião, foi interpretado pela primeira dama, Sra. Nair de Teffé, fato explorado como escândalo pela oposição.

"Corta-Jaca" ou "Dança do Corta-Jaca", como está classificado em uma de suas edições, é na verdade um maxixe bem sacudido, característica que muito contribuiu para o seu êxito. A fim de ser cantado em Cá e Lá, ganhou letra de Tito Martins e Bandeira de Gouveia, autores da peça ("Ai! Ai! Que bom cortar a jaca / Ai! Sim, meu bem ataca, sem descansar...").
"Não há razão para censurar o Corta-jaca, minha senhora. O tango nasceu nos cabarets escusos, mas... chegou aos salões mais finos... Fez-se por si" (Careta - Rio de Janeiro, ed. 333, de 07/11/1914). No sarau do Catete, em 1914, a primeira-dama Nair de Tefé tocou ao violão o Corta-jaca, maxixe de Chiquinha Gonzaga, causando grande escândalo. O episódio levou Rui Barbosa a ocupar a tribuna do Senado para classificar esse gênero de ritmo como "a mais vulgar e grosseira de nossas manifestações musicais".

Corta-Jaca (Gaúcho) (tango, 1895) - Chiquinha Gonzaga e Machado Careca. Essa composição de Chiquinha recebeu as mais diversas definições de gênero musical nas gravações durante o séc. XX como se nota nos exemplos abaixo.

Interpretação de Os Geraldos, acompanhados ao piano, em 1906:

Disco selo: Odeon Record / Título da música: Corta Jaca / Chiquinha Gonzaga (Compositora) / Machado Careca (Compositor) / Os Geraldos (Intérprete) / Piano (Acomp.) / Nº do Álbum: 40454 /Lançamento: 1906 / Gênero musical: Duetto / Coleção de Origem: IMS, Nirez



Interpretação de Zé da Zilda, com o Conjunto Regional de Donga, em 1938:

Disco 78 rpm / Título da música: O Corta Jaca / Chiquinha Gonzaga (Compositora) / José Gonçalves [Zé da Zilda] (Intérprete) / Conjunto Regional de Donga (Acomp.) / Gravadora: Odeon / Nº do Álbum: 11661-a / Nº da Matriz: 5906 / Gravação: 30/Agosto/1938 / Lançamento: Novembro/1938 / Gênero musical: Corta Jaca / Coleção de Origem: IMS, Nirez



Interpretação de Guio de Moraes e Seus Parentes em 1953:

Disco 78 rpm / Título da música: Gaúcho (Corta Jaca) / Chiquinha Gonzaga (Compositora) / Guio de Moraes e Seus Parentes (Intérprete) / Gravadora: Odeon / Nº do Álbum: 13523-a / Nº da Matriz: 9792 / Gravação: 15/Julho/1953 / Lançamento: Outubro 1953 / Gênero musical: Choro / Coleção de Origem: Nirez



Ai, ai, como é bom dançar, ai! / Corta-jaca assim, assim, assim / Mexe com o pé! / Ai, ai, tem feitiço tem, ai! / Corta meu benzinho assim, assim!

Esta dança é buliçosa / tão dengosa / que todos querem dançar / Não há ricas baronesas / nem marquesas / que não saibam requebrar, requebrar

Este passo tem feitiço / tal ouriço / Faz qualquer homem coió / Não há velho carrancudo / nem sisudo / que não caia em trololó, trololó

Quem me vê assim alegre / no Flamengo / por certo se há de render / Não resiste com certeza / este jeito de mexer



Fontes: A Canção no Tempo - Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello - Editora 34​; Instituto Moreira Salles.